27 de março de 2011

Rogério, cem. E São Paulo 2 x 1 Corinthians

Enquanto o torcedor são-paulino como eu, se recupera da emoção desta tarde de quarta-feira, visito os blogs que escreveram sobre o feito e repasso para vocês.

Mauro Betting no Lancenet, traduz em palavras o que não tem palavras

Rogério, cem. E São Paulo 2 x 1 Corinthians

17h18, em Barueri

8min34s do segundo tempo, na Arena.

Um minuto e 14 segundos depois de Fernandinho ter cavado a falta num lance com Ralf.

Segundos depois de Rogério Ceni ter deixado a meta olhando para o chão o caminho todo. Para bater sua primeira falta no Majestoso então equilibradíssimo.

O craque-bandeira tricolor bateu a bola por sobre Chicão e Castán e outros três corintianos na barreira. Superando os milhões de alvinegros que subiram e tentaram evitar o que tem sido quase inevitável nos últimos 14 anos: um dos 56 gols de falta de Rogério Ceni.

O centésimo.

Desde 2007 o São Paulo não vencia o Corinthians.

Desde 1863 o futebol não tinha um artilheiro centenário de luvas.

O gol que definiu o clássico que acabou com o tabu de 11 clássicos e o mito olhando para cima depois da blitz final corintiana. Agradecendo aos céus o lugar que é dele no panteão tricolor.

Júlio César ainda tocou na bola que o goleiro de Pato Branco guardou no ângulo esquerdo e no mesmo lado do peito são-paulino. Rogério arrancou a camisa dourada na celebração em que foi sufocado pelos companheiros. Embaixo dela, uma toda negra. Como a de King, Poy, Picasso, Valdir Peres, Zetti e outros goleiros históricos do São Paulo.

Mas nenhum, no clube, e no mundo, como Rogério.

Ah, o jogo…

Carpegiani escalou um São Paulo mais precavido. Três volantes: Souto na cabeça da área travando o armador mais centralizado de Tite (o apagado Morais), Jean cercando o meia pela esquerda (o atrapalhado Jorge Henrique), e Carlinhos Paraíba saindo mais para atuar às costas de Paulinho. Ilsinho era o meia pela direita, quase um ponta, tentando ser o que vinha voando Lucas, mas afunilando demais o jogo. Mais à frente, Fernandinho chegando em Dagoberto, e não deixando os laterais corintianos atacarem. Com eles presos, os meias sem a movimentação usual, Dentinho e Liedson foram esquecidos num primeiro tempo de estudos, lances ríspidos, e nove chances de gol – o dobro para o São Paulo. Seis delas em tiros longos. Como o golaço de Dagoberto, aos 39, jogando longe de Júlio César.

No segundo tempo, Tite veio no mesmo 4-2-2-2. Carpegiani manteve o 4-2-3-1, com Rhodolfo como lateral esperando um Jorge Henrique que não veio. Depois do gol cem de Ceni, e com Alessandro expulso aos 18, parecia tudo definido. Nem a expulsão discutível de Dagoberto equilibrou – Dentinho cavou seu vermelho, aos 27. Mesmo com nove, ainda era Corinthians. Tanto que pressionou e poderia até ter empatado um jogo equilibrado e com o mesmo número de chances para os dois lados.

O Corinthians só não manteve o tabu de porque Rogério, numa defesa sensacional no reinício de jogo, e outra com os pés, ao final dele, foi não só o goleiro-artilheiro. Foi o goleiro-goleiro. Foi Ceni. É cem.

P.S.: Abaixo, a pedidos, o texto dos 20 anos de Rogério Ceni no Morumbi. E, agora, em Barueri.



Vinte anos no Morumbi. Quatorze fazendo 100 gols. Campeão de quase tudo. E isso irrita quem não é.

Dezoito anos defendendo a meta tricolor. “Meta” que é a palavra para definir o craque. Profissional que parece bater um tiro de meta já com o objetivo definido. Determinado. É daqueles que treinam até faltar luz no CCT. E por isso acaba sendo tão iluminado quando é necessário. Quando é preciso como Rogério na meta são-paulina. E isso irrita quem não se compromete como ele.

Ele não dá bola. Porque Ceni não a larga. No banco de 1993 a 1996, titular desde 1997, Rogério exige tanto que chega a irritar. E a se irritar. Cobra porque se cobra mais que tudo e que todos. E isso irrita.

É perfeccionista. Mas não é perfeito. Como algumas saídas de meta que aprendeu com o ídolo Navarro Montoya; como as adiantadas nos pênaltis; como a fome de jogar de qualquer jeito; como algumas cobranças no elenco exageradas; como o vai-não-sai para o Arsenal, em 2001; como algumas poucas falhas em momentos decisivos que acontecem com todos os mortais. Por mais imortal que ele seja no Morumbi. E isso também irrita.

Parte da empáfia assumida e juramentada e juvenalizada são-paulina passa pelo capitão, líder e exemplo. Mas repare em cada linha bem pensada, articulada e falada por Rogério. Na derrota (que não foi muita), na vitória (que foi tanta em 18 anos), ele está sempre lá para defender o São Paulo. Pode perder a linha. Mas jamais a segurança que passa à família são-paulina e à família Ceni. Neste mundo escancarado e escandalizado, Rogério preserva e se preserva com categoria. Não se perde na noite e ganha o dia. E isso irrita.

Porque ele é diferente. Não apenas por fazer defesas como poucos na história do clube, não apenas por fazer gols como ninguém na história do futebol. Rogério é tão são-paulino que tem o compromisso com o São Paulo. Só. De ser feliz e amado pelos tricolores. Só. E não faz questão de ser o ídolo que merecia ser de todos os torcedores. E isso irrita.

Como devem se irritar os não-são-paulinos que não puderam ver o Liverpool campeão do mundo porque Rogério (artilheiro do clube em 2005!) segurou todas as bolas do massacre no Japão. E isso irrita.

Talvez Rogério não seja mais goleiro que outros craques tricolores. Talvez não seja o maior craque entre tantos gênios são-paulinos. Talvez outros raros tricolores tenham sido tão são-paulinos quanto ele.

Mas não há ídolo como Rogério Ceni. Como diz com muita razão e imensa paixão o são-paulino, outros times têm um goleiro. Só o São Paulo tem Rogério Ceni.

E isso não se imita.

Mauro Betting ( postagem original)

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